A Igreja como Comunidade Terapêutica

A igreja é descrita na Bíblia de várias maneiras: casa de Deus (1 Tm 3.15), coluna e baluarte da verdade (1Tm 3.15), corpo de Cristo (Ef 4.12), esposa do Cordeiro (Ap 19.7), senhora eleita (2 Ju 1) e como lavoura e edifício de Deus (1 Cor 3.9). Há outras imagens que também aparecem nas Escrituras: somos um rebanho (Sl 100.3) e uma família (Sl 133.1).

No entanto, quero me deter em outra faceta dessa família espiritual: a igreja como comunidade terapêutica. Talvez essa descrição pareça estranha. Sim, é verdade que não temos um versículo bíblico que apresente a igreja nestes termos. Mas também não encontramos na Bíblia as expressões trindade, providência de Deus e segunda vinda de Jesus – embora todo crente maduro reconheça o ensinamento contido nelas.

Terapêutica tem a ver com terapia, palavra de origem grega que significa tratamento. Terapêutico é o tratamento aplicado a uma doença ou lesão. É a ação que restaura alguém debilitado. Os doentes ou feridos na igreja são todos aqueles que precisam ser disciplinados. Como assim? É isso mesmo. Infelizmente, a palavra disciplina muitas vezes é entendida como punição, principalmente nessa época em que ouvimos tanto dizer que as liberdades individuais devem ser respeitadas a todo custo. Não deveria ser assim. A verdadeira disciplina significa discipulado: ajudar uma pessoa a andar como Jesus andou. Lembro-me muito bem do meu pastor, lá no Maranhão, dizer: “disciplina que não vem acompanhada de discipulado é diabólica”.

Se a ideia da igreja como comunidade terapêutica pode parecer inusitada, a ideia da disciplina da igreja como uma das marcas da igreja de Cristo não é. A verdadeira igreja, costumamos admitir, é aquela que prega o evangelho, pratica os sacramentos do batismo e da santa ceia e aplica a disciplina bíblica. Como reformados, devemos valorizar a disciplina, mas sem descuidar do seu propósito: a restauração da pessoa – “pois o Senhor corrige ao que ama, e açoita a todo o que recebe por filho. É para disciplina que sofreis; Deus vos trata como a filhos; pois qual é o filho a quem o pai não corrija? Na verdade, nenhuma correção parece no momento ser motivo de gozo, porém de tristeza; mas depois produz um fruto pacífico de justiça nos que por ele têm sido exercitados” (Hb 12.6-7 e 11).

O propósito da disciplina é restaurar o irmão ou irmã que se desviou do caminho. Uma igreja madura sabe cuidar de seus membros. “Levai as cargas uns dos outros, e assim cumprireis a lei de Cristo” (Gl 6.2). A lei de Cristo é o amor.

Ação terapêutica foi o que Jesus fez com Pedro. Ele havia dito que jamais se escandalizaria com Jesus (Mt 26.33) e “ainda que me seja necessário morrer contigo, de modo algum te negarei” (Mt 26.35). Horas depois, Pedro negou Jesus três vezes. Então o galo cantou e Pedro chorou amargamente. Três dias depois, Pedro disse: “Vou pescar” (Jo 21.3). Ele pensou que, com seu Senhor morto, ele tinha que reiniciar seu negócio de pesca. Mas Jesus manifestou-se a Pedro de forma pessoal e privada (Lc 24.34; 1 Cor 15.5) e perguntou-lhe três vezes: “Tu me amas?”. A cada resposta, o Senhor replicou: Apascenta meus cordeiros, pastoreia minhas ovelhas e apascenta minhas ovelhas. “E, havendo dito isto, ordenou-lhe: Segue-me” (Jo 21.19). Jesus restaurou Pedro e nos ensina que a igreja deve ser uma comunidade terapêutica. Ele nos lembra que “os sãos não precisam de médico, mas os doentes sim. Não vim chamar justos, mas pecadores” (Mc 2.17). No mês seguinte, no meio de cento e vinte crentes, Pedro se levantou como o principal líder da igreja (Atos 1.15). Restaurado, Pedro foi o apóstolo mais importante nos primeiros anos do cristianismo.

Que possamos ser uma igreja terapêutica, que cuida do corpo de Cristo do qual todos fazemos parte. Isso glorifica a Deus. 

Rev. Marcone Bezerra Carvalho